segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Administre sua vergonha

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Eu nunca soube ao certo se sou tímida, introvertida, ou as duas coisas juntas, mas fato é que sempre tive muita vergonha de tudo. Tenho tanta vergonha dentro de mim que frequentemente sobra para sentir pelos outros. Sim, a famigerada vergonha alheia. Somada a essa vergonha - ou como consequência dela, não sei -, eu também tenho pavor de incomodar as pessoas. Tipo pedir favor, pedir informação na rua, perguntar a hora, pedir licença para eu poder passar, perguntar se alguém precisa de ajuda ou falar com desconhecidos de modo geral. Ai, mas a senhora não era repórter? Sim, por isso eu era repórter. Não tem raça que goste mais de incomodar os outros que o jornalista. Acontece, no entanto, que a vida está aí, sucedendo todos os dias, e muitas vezes você precisa falar com estranhos. 

Por muito tempo eu basicamente ganhei a vida falando com desconhecidos. Então, ao longo dos anos aprendi a administrar toda a vergonha e incomodidade que eu sentia. Aprendi a lidar com ela em muitas situações. E algumas vezes, mesmo tendo trabalhado bem esse sentimento, ainda preciso de uns minutos para ativar o processo.

Há uns meses comprei um belíssimo casaco de pele fake de segunda mão e quando ele chegou na minha casa e abri o pacote, fiquei meio angustiada. Não sabia se eu ia ter coragem de usá-lo porque era bastante grande e a cor bem chamativa. No primeiro fim de semana em posse do casaco, decidi usá-lo. Eu tinha gastado dinheiro naquela merda e ninguém tinha que gostar ou desgostar do meu casaco. Não estaria incomodando ninguém (os olhos de algumas pessoas? Talvez, mas não é suficiente), então eu simplesmente coloquei o casaco, respirei fundo e saí de casa. Caminhei até o subte, entrei no subte, fui de subte até Belgrano e absolutamente ninguém ficou me olhando de maneira particular. Era como se eu estivesse vestida com uma jaquetinha jeans. E aí me dei conta de algo que na verdade eu, você e todo mundo já sabíamos: ninguém se importa, está tudo na nossa cabeça, e se alguém se importar, foda-se. Quer dizer, eu não estou dançando no TikTok nem recitando poemas no Instagram, estou simplesmente saindo com um casaco de pele fake caramelo. 

Semana passada fui na minha primeira aula de canto (sim, sim, mas isso é assunto para outro dia) e a professora ficou praticamente todo o tempo falando sobre as minhas aspirações como cantora (risos), meu gosto musical e técnicas de respiração, e no final perguntou se eu podia cantar uma música ou se teria muita vergonha. Aquilo me chamou atenção. Se eu não cantar na frente da professora de canto vou cantar na frente de quem? Do fã clube da Whitney Houston? 

Não sei se eu simplesmente não senti vergonha ou se apenas soube administrá-la bem, mas meio que franzi o cenho quando ela fez essa pergunta, porque isso significa que muita gente vai na aula de canto e tem vergonha de cantar na frente da professora. Será que eles têm vergonha de falar com desconhecidos? Será que eu sinto vergonha de coisas que eu não deveria e não sinto vergonha de coisas que deveria?

Aquela mulher, que ganha a vida ensinando pessoas a cantarem, já sabia que eu era um desastre, que eu cantava mal, que eu não sabia afinar e tinha a potência de um filhote de hamster, eu avisei antes, eu estava ali justamente para mudar esse panorama. Então eu cantei bem tranquila The Steps das Haim inteirinha e fui pra casa me sentindo plena porque ela disse que esperava algo muito pior. Quer dizer, eu escrevo num blog e compartilho o link no Twitter, tenho coisas mais importantes para me preocupar e me envergonhar a respeito. 

Por isso eu digo, administre sua vergonha. Tente não senti-la. Use roupas extravagantes, nenhum coala vai morrer por isso. E se der vontade de dançar no TikTok ou recitar poemas no Instagram, faça. Eu estarei aqui sentindo vergonha por você. 


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2 comentários:

  1. Ja tive essa neura (mais acentuada). Na rua ou em qualquer outro lugar achava que pessoas poderiam estar me reparando em algum aspecto qualquer. Talvez seja eu quem faça isso enquanto o mundo nem se importa...
    Poucos escrevem com o humor sensível e peculiar de Juliete. Não vou adjetiva-la porque o fanatismo já causa muito mal a esta sociedade cansativa.

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    Respostas
    1. Acho que é de certa forma meio narcisista, né? Ninguém se importa com a porra do casaco que tu tá usando, tu não é o centro do mundo pras pessoas ficarem prestando atenção em ti. hahaha
      Obrigada, sempre-tão-gentil Tiago.

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