sábado, 1 de agosto de 2020

Sex and the City e a discussão inútil



Estou revendo Sex and the City, assim como grande parte da humanidade, aparentemente. A quarentena despertou um desejo unânime de rever Sex and the City, eu sei porque já me deparei com alguns textos. Entendo que tenha sido trabalho do algoritmo, mas também vi discussões no Twitter, de gente que sigo, e aí não foi culpa dos cookies, não. 

No entanto, todas as discussões e análises têm em comum algo que para mim é meio bizarro: pontuar que a série envelheceu mal. Há quantos anos é possível dizer que Sex and the City envelheceu mal? Eu chuto pelo menos uns dez. Por que raios em 2020 ainda se discute algo tão óbvio? A discussão sobre Sex and the City ter envelhecido mal é velha como a própria série. 

 Eu entendo que talvez quem esteja revendo agora depois de ter visto pela primeira vez quando ela estava sendo transmitida fique chocado com alguns comentários ou piadas machistas, gordofóbicas ou transfóbicas. Mas não parece meio óbvio que isso lamentavelmente poderia existir em uma série gravada há 20 anos, quando esses termos eram pouco ou simplesmente não eram usados em absoluto? Se até hoje a gente tem que se estressar com esse tipo de estupidez na televisão, imagina o que poderia acontecer entre 1998 e 2004, não apenas com Sex and the City, mas provavelmente com a maioria dos programas.

A série já era velha na primeira vez que eu assisti (e amei), em 2013, e eu tinha plena consciência de que tudo o que acontecia ali era praticamente em outra Era, outra vida. Era definitivamente outro mundo. As personagens recém estavam começando a usar celular e internet, estavam aprendendo a se comunicar por e-mail, e a revolução veio justamente com a conexão massiva entre as pessoas, alguns anos mais tarde. Tudo o que veio antes disso provavelmente contém algo chocante e decepcionante. Ou algo para refletir.

Outra crítica clássica em relação à Sex and the City é a obsessão que as personagens tinham pelo casamento, pela a ideia de que ser uma mulher solteira de 30 e poucos anos era algo incomum e inadmissível. Isso acontecia adivinhem por que. PORQUE O MUNDO ERA ASSIM. Porque há 20 anos a maioria das mulheres ainda era vítima e cedia à pressão social. E, pasmem, ainda hoje existem mulheres como Charlotte, mesmo que elas não vivam na bolha de quem problematiza Sex and the City por ter envelhecido mal em pleno 2020.

Em 2013 eu vi a série com outros olhos, porque já era velha, em todos os sentidos. Em 2020 nem se fala, e eu acho que essa é a graça. A graça está justamente em se deparar com coisas que eu não esperava que ocorressem há 20 anos, como a liberdade sexual e a independência feminina, a diversidade sexual, falar abertamente sobre aborto, a amizade entre mulheres, sem competição, sem falsidade, sem uma falando mal da outra pelas costas. Todo o resto é o que a gente já espera de uma série de duas décadas atrás: clichês sobre mulheres amarem sapatos, clichês sobre mulheres terem que chegar aos 35 casadas, e, se possível, com filhos, clichês sobre não transar no primeiro encontro, clichês sobre mulheres serem chatas e dramáticas (sim, Carrie e Charlotte eram insuportáveis na maior parte das vezes).

O melhor de revê-la é justamente se encontrar com a surpresa de que há 20 anos havia uma personagem que não queria se casar nem ter filhos, que transava com quantos homens tivesse vontade sem dar a mínima para o que pensavam dela. Uma personagem que eventualmente teve uma relação com outra mulher. Que havia outra personagem que tinha atingido o sucesso profissional, pode comprar sozinha um apartamento em Nova York e já sentia na pele a pressão social por sair com um homem que ganhava muito menos que ela. Personagens que se surpreendem quando sua amiga decide abandonar a carreira para cuidar da casa e tentar ter um filho. Uma personagem cujo melhor amigo é um homem gay de meia-idade com quem todos agem e falam naturalmente e abertamente sobre sua sexualidade. Personagens que admitem terem feito abortos, personagens que não julgam suas amigas por terem feito um aborto ou por pensar em fazer um. 

Isso para mim é o que vale em Sex and the City. Isso e a vontade de dar uns tapas na Carrie em 90% dos episódios e voltar a amá-la um pouco antes dos créditos finais. O resto está ali só pra fazer a gente lembrar que, de certa forma, o mundo já foi um pouco pior.



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