quarta-feira, 2 de agosto de 2023

I’m glad my mom nunca esperou nada de mim

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Um dos livros que eu mais gostei de ler esse ano foi o da Jennette McCurdy, um memoir chamado I’m glad my mom died. Eu não sabia absolutamente nada a respeito da história ou da autora, que é uma ex-atriz infantil, mas, francamente, quem é que não vai querer ler um livro com esse nome. Questão é que vi duas pessoas mencionarem o título no mesmo dia e em minutos eu já estava em posse do e-book.

Já nos primeiros capítulos percebi que além de nunca ter ouvido falar na Jennette McCurdy antes, eu também não sentia nenhuma identificação com a história que ela estava contando. Nada que me impedisse de ficar completamente obcecada, de abrir o livro em cada minuto livre que eu tinha e de terminá-lo em três dias. 

Jennette conta como sua mãe a obrigou a seguir a carreira de atriz quando ela tinha apenas seis anos e, além de tê-la introduzido à anorexia, ainda tentou mantê-la sob seu controle, basicamente impedindo Jennette de crescer e ganhar independência. 

Ouvindo algumas entrevistas com a autora, uma questão tratada quase sempre era a identificação que muitas pessoas sentiam com a história. Todas essas pessoas eram atrizes ou atores infantis obrigados por suas mães a trabalharem aos seis anos de idade? Óbvio que não. Mas todas sentiam que durante sua infância e adolescência sua missão na terra era fazer suas mães felizes. Sentiam que suas progenitoras depositavam nelas a expectativa de algo que elas mesmas não tiveram, esperando, ou inclusive pressionando, a que cumprissem. Inconscientemente, essas pessoas cresceram sentindo que precisavam satisfazer os desejos de suas mães e confundiam as vontades delas com as suas próprias. Isso nunca aconteceu comigo. 

Minha mãe simplesmente nunca esperou nada de mim. Não estou dizendo que isso seja bom. Pode ser que em um determinado momento da minha infância ela simplesmente olhou para mim, sacudiu a cabeça negativamente e concluiu que daqui não ia sair nada mesmo. Acho que foi aí que ela deixou de preparar meu lanche e eu mesma precisei pensar no que levar para comer no recreio no dia seguinte. Minhas amigas abriam seus tupperwares surpresas — negativa ou positivamente, não importa — porque não tinham a menor ideia do que as mães tinham colocado ali. De repente estavam lá, duas fatias de bolo de banana ou quatro bolachas pintadas feitas pela avó.  Eu não. Eu sempre sabia exatamente o que esperar quando abrisse meu tupperware.

Para não ser injusta, houve um momento em que minha mãe esperou algo de mim. Quando fiz 14 anos, emagreci drasticamente, o aparelho ortodôntico finalmente havia começado posicionar meus dentes da frente de maneira adequada e meu cabelo loiro mel estava enorme e brilhante, de modo que ela decidiu investir em mim. Na minha carreira de modelo. Ela me matriculou no curso do Dilson Stein, um caça-talentos que uma vez por ano ia para Santa Rosa com seu curso para tentar descobrir novas Giseles e encher o rabo de dinheiro. Todas as pré-adolescentes e adolescentes de classe média para cima faziam o curso do Dilson Stein e jamais me ocorreu mencionar essa possibilidade à minha mãe. Não porque eu não quisesse, mas porque, além de eu ter espelho no meu quarto, eu não tinha nenhuma expectativa de que ela fosse aceitar gastar dinheiro nisso. Ela nunca tinha sequer me colocado em aulas de inglês, ballet ou patinação, como fez com a minha irmã mais velha. 

Depois do curso, minha mãe não parava de me surpreender. Ela não só pagou o book fotográfico, que era opcional, como também pagou a tradicional viagem para São Paulo, onde todas as meninas que tinham feito o book iam visitar agências de modelo. Tudo isso para que meses depois, quando recebi uma carta de uma agência chamada Setting Models querendo me contratar, a família inteira chegasse à conclusão de que talvez era meio arriscado mandar uma adolescente de 15 anos sozinha para São Paulo morar em um apartamento com outras oito aspirantes a modelo. 

Depois desse surto, as coisas voltaram a ser como antes. Minha mãe nunca quis que eu estudasse medicina, que eu fosse magra, que eu não tivesse espinhas, que eu depilasse as pernas, que eu tirasse a sobrancelha. Simplesmente não eram coisas que importavam. Tudo bem se eu comesse sete sanduíches em uma tarde e tudo bem também se eu fizesse a dieta dos líquidos por 48 horas. Não havia problema se os pelos das minhas pernas já estavam longos o suficiente para umas tranças, mas se eu pedisse um Gillette ela trazia. Também tanto fazia se minhas unhas estavam feitas ou não.  


E assim foi como terminei sendo uma mulher adulta sem nenhum talento desenvolvido, porém, uma mulher adulta que não sente que tem que fazer nada. 



PS. Eu até hoje nunca depilei a perna do joelho para cima e não penso em fazê-lo. 


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